Peça aos moradores de Feldheim para que descrevam sua comunidade. A resposta mais comum tende a ser “tranquila”. O vilarejo, 60 quilômetros a sudoeste de Berlim, tem 128 residências. Num primeiro olhar, não chama a atenção. Mas sob a única rua funciona uma rede de cabos elétricos e tubulação de calor abastecida inteiramente por energia renovável – o que especialistas acreditam que pode ocorrer em toda a Alemanha até 2050.
Petra Richter, de 51 anos, mora no vilarejo desde que nasceu e atua como uma espécie de prefeita. Ela diz que os moradores têm muito orgulho pelo que foi desenvolvido.
“É uma coisa única, em um espaço tão curto de tempo, tudo o que conseguimos e também todos que tiveram a chance de ajudar a tornar isso realidade”, comemora.
Vento, biogás e sol
Tudo começou em 1995, quando o empresário e então estudante de engenharia Michael Raschemann propôs erguer quatro turbinas eólicas na fazenda da cooperativa agrícola local. O solo, relativamente plano e com bastante vento, era ideal.
Em parceria com a empresa de energia renovável Energiequelle – da qual Raschemann é cofundador – o vilarejo gradualmente expandiu o parque eólico ao tamanho atual, com 47 turbinas.
“O projeto não era planejado como atualmente está. Cresceu pouco a pouco”, explica a britânica Kathleen Thompson, que vive perto do local e oferece passeios turísticos sobre a energia renovável de Feldheim.
Sozinha, a mais nova e maior das turbinas está apta a produzir 9 milhões de kilowatts-hora de eletricidade por ano – mais do que o suficiente para abastecer a vila diversas vezes. A produção é tão grande que 99% do que é gerado são vendidos ao mercado de energia.
Após obter sucesso com a obra, a cooperativa agrícola diversificou os negócios. Em virtude da queda no preço das safras e do aumento do custo da energia, os empreendedores decidiram construir uma unidade de biogás. Eles agora transformam milho e a silagem de cereais – junto a esterco de porcos e vacas – em metano, o que leva energia e calor para as casas de Feldheim.
Em 2008, quando a unidade de biogás começou a operar, o vilarejo e a empresa Energiequelle adicionaram uma fazenda solar ao portfólio de energia renovável. A propriedade foi construída onde antes havia um centro militar soviético abandonado e agora produz eletricidade suficiente para abastecer 600 casas.
Apesar do grande desenvolvimento de fontes de energia renovável dentro e ao redor de Feldheim, ainda havia um obstáculo para tornar o vilarejo totalmente autossuficiente: a empresa de serviços públicos E.ON se recusava a vender ou arrendar a sua rede.
Feldheim respondeu construindo sua própria rede paralela de energia e aquecimento, consolidada pela Energiequelle, com subsídios da União Europeia e empréstimos e contribuições de 3 mil euros de cada habitante.
A rede foi ligada em 2010, ano em que a comunidade passou a considerar-se totalmente “limpa”. Desde então, o preço da energia local caiu em torno de um terço. A independência do carbono só não é completa porque a lei alemã permite apenas que proprietários de casas sejam abastecidos pelas novas redes elétricas e de aquecimento. Inquilinos seguem recebendo a mesma eletricidade de antes da virada energética de Feldheim.
Kathleen, porém, afirma que a comunidade tem esperanças de que a lei possa mudar para que todos os habitantes do local possam ser abastecidos pela mesma fonte. Feldheim, por sinal, está instalando uma enorme bateria – que deve ser ligada no segundo semestre deste ano – capaz de armazenar eletricidade suficiente para abastecer o vilarejo por dois dias.
Papel de protagonista
A imensa publicidade dada a Feldheim transformou-a em destino turístico. Os moradores confirmam que recebem, em média, três mil visitantes por ano – muitos do Japão, onde as pessoas cada vez mais procuram por fontes alternativas de energia depois do desastre nuclear de Fukushima.
Lyn Hovey, uma ativista australiana pela sustentabilidade, recentemente passou por Feldheim. Disse ter se impressionado com a habilidade dos habitantes. Em sua cidade natal, Riddells Creek, perto de Melbourne, no sul da Austrália, seria bem mais difícil executar um projeto semelhante devido ao tamanho da cidade (quase quatro mil habitantes) e à força das empresas de energia.
“A mudança climática é algo que essa geração precisa resolver, e na Austrália não podemos confiar no governo. Depende das pessoas. É preciso viajar e aprender com o que já foi feito”, diz Hovey.
Até mesmo os habitantes de Feldheim e os envolvidos no projeto reconhecem que é complicado repetir o sucesso local em outras partes do mundo. Thompson lembra que, ainda que Feldheim tenha tido uma boa dose de sorte, a força e o espírito comunitários não podem ser subestimados.
“É muito mais fácil fazer as coisas quando todo mundo vai na mesma direção”, conclui.
Fonte: Eco Brasília