Após ser testado no norte da Itália, um trator movido a biometano é colocado a campo pela primeira vez no Brasil, no oeste do Paraná. Depois de passar por lavouras paranaenses, o protótipo será trazido à região de Palmeira das Missões, no norte do Rio Grande do Sul. As avaliações buscam adaptar o modelo ao mercado local, que deverá receber a tecnologia em, no máximo, três anos – seguindo tendência mundial de substituir veículos movidos a combustíveis fósseis por biogás.
Enquanto nos Estados Unidos a revolução se dá por meio do gás de xisto, no Brasil a grande aposta para alterar a matriz energética de automotores é depositada no biometano – produzido a partir da purificação do biogás gerado na decomposição de dejetos orgânicos. A confiança é justificada pela geração de resíduos no país, cerca de 70 milhões de metros cúbicos por dia – o equivalente a 45% do consumo nacional de óleo diesel. E grande parte desse metano é gerado em atividades agropecuárias. Estudos recentes indicam que o setor é responsável por 37% de toda a geração de gases de efeito estufa no Brasil.
– O diesel sai das refinarias e anda milhares de quilômetros para chegar às propriedades rurais, quando o combustível poderia ser feito com matéria-prima caseira _ diz Cícero Bley Jr, presidente da Associação Brasileira de Biogás e de Biometano (ABiogás).
Embora ainda rara, a produção do combustível vem ganhando espaço no meio rural. Na propriedade da família Haacke, em Santa Helena (PR), onde o trator movido a biometano está sendo testado, os resíduos da avicultura e da bovinocultura de corte são transformados em biogás desde 2012.
– Instalamos aviários automáticos e os dejetos passaram a ser descartados a cada dois dias. Além de resolver esse problema, a produção de biogás nos tornou autossuficientes em energia – conta André Haacke, que produz também aveia e milho para alimentação dos animais.
Para montar a estrutura de biodigestor, a família paranaense investiu cerca de R$ 500 mil. Além da segurança energética, a economia anual gira em torno de R$ 80 mil.
É nesse perfil de propriedade que os tratores a biometano deverão começar a ganhar espaço no mercado brasileiro, prevê Nilson Righi, gerente de marketing de produto da New Holland, fabricante que começou a desenvolver a tecnologia ainda em 2013.
– O principal desafio são os pontos de abastecimento. Nas propriedades que geram biogás, a substituição será facilitada – destaca Righi, destacando que o novo trator pode reduzir em 40% os gastos com combustível.
Outro obstáculo a ser superado pela fabricante é ampliar a autonomia do trator, hoje de cinco horas – metade da autossuficiência do diesel. Enquanto o modelo de 140 cavalos com motor veicular é testado no Brasil, na Europa, a segunda geração do protótipo já foi colocada a campo – agora com motor agrícola.
– Em seis meses, esse modelo deve chegar no Brasil para testes também – adianta Righi, prevendo preço 10% superior do produto, em relação a modelos a diesel.
Até agora, a fabricante investiu cerca de US$ 15 milhões na nova tecnologia. Embora não confirmem, outras marcas de máquinas e equipamentos agrícolas também estariam desenvolvendo pesquisas para utilizar biometano.
– Todas as montadoras de veículos automotores têm projetos com energias renováveis. Só não revelam por estratégias de mercado ou por interesses envolvendo a prolongamento da vida das empresas de petróleo – afirma o presidente da ABiogás.
Procuradas para avaliar o potencial do mercado de máquinas a biometano, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informaram que não têm conhecimento de projetos desta natureza e não se pronunciaram.
Mercado promissor após regulamentação
Com uma legislação pioneira no país, o Rio Grande do Sul pretende incentivar a produção de biometano a médio e longo prazos. O programa RS Gás foi criado em maio do ano passado e prevê, entre outras ações, chamadas públicas para aquisição do combustível gerado no Estado.
– A iniciativa pretende dar segurança jurídica aos investidores, tornando o setor mais atrativo a empresas e produtores – explica Artur Lemos Junior, secretário de Minas e Energia em exercício.
A Companhia de Gás do Rio Grande do Sul (Sulgás) marcou reuniões informativas para este mês com potenciais interessados no mercado de biometano. Nos encontros, serão apresentados os termos e condições do processo.
Hoje, o único projeto de produção de biometano em grande escala no Estado está instalado na Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus), em Montenegro. As iniciativas mais comuns em propriedades e cooperativas gaúchas são de produção de biogás para abastecimento de energia elétrica. Para ser transformado no combustível, o gás precisa ser purificado, aumentando em cerca de 40% os custos do processo, explica Lemos.
O uso do derivado de biogás em veículos no Brasil foi regulamentado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em fevereiro de 2015. Aguardada desde 2011, quando foram iniciados testes com veículos, a regulamentação abriu espaço para crescimento do mercado.
– O Brasil tem um potencial enorme de produção descentralizada de biometano – destaca Alessandro Gardemann, diretor da Geo Energética, empresa desenvolvedora de tecnologias voltadas à produção de biogás, biometano e energia elétrica.
Integrar o potencial de produção com o consumo de energia em agroindústrias faz todo o sentido, destaca Gardemann. O crescimento desse mercado, porém, passa pela necessidade de incentivo governamental.
– Tecnologias existem. O que falta é capital intensivo e segurança para investir _ diz.
Outra barreira é a tributação cobrada sobre o biometano no país, praticamente a mesma dos combustíveis fósseis.
– O custo ainda é muito alto. É preciso incentivar a produção, que só será consolidada quando modelos de negócios forem colocados em prática – aponta Rodrigo Régis de Almeida Galvão, diretor-presidente do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), com projetos em desenvolvimento no Paraná e em Santa Catarina.